segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Merda e o Kitsch

(...) Por trás de todas as crenças européias, sejam religiosas ou políticas, está o primeiro capitulo do Gênese, a ensinar que o mundo foi criado como devia ser, que o ser humano é bom e que, portanto, deve procriar. Chamemos essa crença fundamental de acordo categórico com o ser.
Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituída nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode pretender que a merda seja imoral! A objeção à merda é metafísica. O Instante da defecação é a prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e nesse caso não precisamos nos trancar no banheiro!) ou a maneira como fomos criados é inadmissível.
Segue-se que o acordo categórico com o ser tem por ideal estético um mundo onde a merda é negada e onde cada um de nos se comporta como se ela não existisse. Esse ideal estético se chama Kitsch.
Esta é uma palavra alemã que apareceu em meados do sentimental século XIX e que em seguida se espalhou por todas as línguas. Mas o uso frequente do termo apagou seu valor metafísico original: o Kitsch, em essência, é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal como no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável.

(...)

Trecho de "A insustentavel Leveza do Ser" de Milan Kundera